quarta-feira, outubro 11, 2006

Transparências em Prata

Cinemateca, Segunda-feira, dia 9 de Outubro de 2006
Realização de João Brehm (PT, 1990 - 90 min)

"TEP é um ensaio poético que recusa a narrativa linear, um filme em que passado e presente, realidade e loucura coabitam. Música de António Sousa Dias."_ anunciava o guia do mês.

Sigamos o filme na forma como se apresenta.

SOBRE O PASSADO

Um homem armagurado, espera, intérmino, os personagens do passado. Acha-se na casa dos seus pais, que já foi dos seus avós e dos pais dos seus avós. Aqueles que a construíram "tijolo a tijolo" e nela foram aprendendo a viver, a criar rotinas e a ensiná-las aos descendentes. Mas o que é o dia-a-dia daquele que se nos apresenta só naquela casa gigante? As folhas de Outono vindas de fora por entre o lixo desarrumam os corredores. A aranha que vai construindo pacientemente a teia que vai da perna ao tampo da mesa e que ele vai destruindo para testar a sua preserverança. Espera, espera. Ninguém vem. Como se vive sem ninguém por perto? Escreve na parede com uma caneta de tinta-da-china. Letra suave que acaba esburacando a cal, atingindo o tijolo num momento final de raiva. Solta um grito, pega na faca. Sangue. Choro.

SOBRE O PRESENTE

Está agora num farol. Há uma luz vermelha, reflectindo-se nos espelhos giratórios ao cimo das escadas em caracol, no cume do edifício. Há mar, lá fora. Um mar de ausência que só se enxerga pela postura do nosso personagem contemplando a imensidão pela pequena janela. Mais uma vez a solidão. Mais uma vez náufrago de qualquer coisa. Agora concretamente náufrago, salvo pela sorte de acostar àquele pedaço de civilização perdido no oceano. Há um diário de bordo na gaveta de uma pequena mesa de madeira no andar de baixo. Que história semelhante à sua. Um sobrevivente único das agruras do tempo conta a história de se estar só no mundo, sabendo, no entanto, que há mais gente algures. Que fazer para resistir até encontrá-los? SOBRE

O FUTURO

Fechado num caixão. Está vivo, mas ninguém percebe isso. Tenta virar-se de lado, para uma posição mais cómoda que aquela em que o puseram. Mas é tão difícil, naquele espaço apertado, mexer os músculos. Um pé descalço, outro com um sapato impecavelmente engraxado. Está de fato, tão contrastante com a roupa com que o víramos antes. Cuidaram-no na morte, faltou lembrarem-se dele na vida.



Este filme nunca teve estreia comercial, tendo sido apresentado em ante-estreia na Cinemateca três anos depois de realizado. Foi, portanto, raramente visto. Infelizmente pouco visto.

Um conceito em risco

Parques Naturais. Alguns insurgem-se contra o conceito. Dizem-nos "parques contra pessoas" para mascarar a causa financeira com os motivos cor-de-rosa de um humanismo inventado à pressa. Terra-mundo. Nosso? Deles?

«Na maioria dos casos, um parque nacional é um acto marcadamente ambivalente, alimentado por objectivos colectivos: sonhador mas prudente, egoísta mas abnegado, local mas com significado global. Ao contrário de um hino ou de uma bandeira, um parque nacional existe nas dimensões concretas da geografia, da biologia e da economia. E também na dimensão do simbolismo. Tem habitantes vivos e fronteiras físicas. Tem vantagens e custos. Tem amigos e, por vezes, inimigos. Tem uma aura de permanência sagrada por ser um local que a sociedade escolheu reservar e proteger para sempre.
Mas quanto tempo dura "para sempre"?»



Esta é a introdução de um ensaio da National Geographic - Portugal de Outubro de 2006, intitulada "O FUTURO DOS PARQUES", escrito por David Quammen. Um nariz-de-palhaço distingue os defensores da civilização oponente a qualquer causa natural que se atravesse no que se pensa ser o caminho do progresso humano daqueles que julgam possível essa mesma civilização com um carácter de respeito pela Natureza. Digo: "É possível", madeireiro troglodita que no documentário sobre desflorestação enfeita de argumentos humanos a devastação que vai provocando. "Olhe só a quantidade de emprego que eu dou a esta gente!"_ diz o senhor. As multinacionais com fábricas na Índia dizem o mesmo, e nem por isso deixam de explorar as crianças como mão-de-obra para coser bolas de futebol. Não é a mesma questão, mas toca no mesmo princípio: não olhar a meios para atingir os fins. E não me digam que é pelas pessoas que vivem desse negócio. Porque elas só sobrevivem.