quinta-feira, abril 27, 2006

" Começamos a pensar naquelas culturas que aparecem na National Geographic onde toda a gente anda nua. Vemos aquelas pessoas e pensamos. «Para onde é que estes homens olham, quando as mulheres passam por eles?» Será que num sítio daqueles há um clube de striptease? A mulher sobe ao palco, tira o colar, tira o anel do nariz - e pronto, acabou o espectáculo. Os homens do público dizem «Uau, já viste aquela covinha por cima do lábio? Eu não te disse, pá? Este sítio é o máximo!»."

"Linguagem Seinfeld" Jerry Seinfeld


Robert Capa
[American Photographer, 1913-1954]

domingo, abril 23, 2006

" Foi sem dúvida o gosto de "viver todas as vidas", de que fala Flaubert, e de aproveitar todas as ocasiões para entrar na aventura que é sempre a descoberta de novos ambientes (ou, muito simplesmente, a excitação de começar uma nova investigação) que, juntamente com a recusa de definição cientista da sociologia, me levou a interessar-me pelos mundos sociais mais diversos."

"Esboço para uma Auto-Análise" Pierre Bourdieu


Guy Bourdin
[French Photographer, 1928-1991]

sexta-feira, abril 21, 2006

Frida, solene Frida.
A sala com várias reentrâncias, cada uma pulsando com uma cor diferente.
Fixando-nos de tantos cantos, aquele par de olhos negros vincado pelas sobrancelhas pegadas mergulhava em nós com a graciosidade de uma orca.
Naquele auto-retrato, se não escorressem lágrimas pelo rosto, eu não veria tristeza. Melancolia, talvez. Assim como a constatação de estar perante um ponto de viragem, fosse qual fosse. Mas tristeza não_ e sublinho, não fossem as lágrimas.
E então, o que a faz tão conhecida, tão admirada, tão universal, proponho-me questionar. Pode haver sofrimento naqueles olhos. E pode decorrer de um mal psicológico (um aborto espontâneo) ou de um mal físico (as repercussões da poliomielite que teve em jovem ou o acidente de autocarro), se quisermos pôr as coisas em termos dicotómicos, o que eu não julgo adequado para a interpretação daquilo que se passa na tela e na maneira de perspectivar a vida da própria Frida.
E nesta tela, ela tem uma coluna jónica em vez da vertebral, partida. E pregos percorrendo-lhe o tronco e cabeça. Aqui tem os cabelos soltos.
Mas nas outras e nas fotografias pretas-brancas-cinzentas exibe um penteado que lhe amarra a farta cabeleira negra num arranjo imponente, por vezes com flores, cujo acabamento são dois grandes brincos de ouro, geralmente. E um buço nos cantinhos do lábio, chamar-lhe penugem seria não ser fiel à imagem que ela ideara e concretizara. E era mexicana, como gostava de mostrar pelos trajes e ornamentos que diariamente ostentava. E por esses elementos serem importantes no seu imaginário, há também dois cantos da sala a eles reservados: um com modelos envergando trajes de Tehuana, e o outro simulando um altar dos mortos, tradição cultural mexicana que ocorre a 1 e 2 de Novembro de cada ano.
E então começamos pela esquerda, com o canto da infância e adolescência, passamos pela paixão por Diego Rivera, trespassamo-nos de cultura mexicana e misticismo até chegar à Casa Azul. Daí entramos no Diário e Morte. Permeando as telas, vão aparecendo fotografias, algumas curiosas, como a da convivência com Trotsky, e outra com Breton. E não esquecer o fac-simile do diário, que entusiasma por ver que a letra dela não era bonita, mas tortuosa por vigorosa.
Mas depois, no fim, fica um profundo silêncio. Porque nos olha assim o seu auto-retrato? É como quem dizer alguma coisa, mas não diz: espera que adivinhemos. Como aqueloutra tela, que também veio até nós, em que ela está por trás de uma máscara inexpressiva, que no entanto tem lágrimas. Dizer, mas não dizer_ ou colocar um cempoalxóchitl para dizer o lugar do sol, a região norte da mitologia mesoamericana ou o sítio para onde vão os mortos.Há silêncio no fim, mas não podia haver um grito de sofrimento maior

sábado, abril 08, 2006

" Depois achou por bem pegar um ônibus. Esse negócio de táxi é para branco. Preto que pega táxi ou é bandido ou está doente à beira da morte, acreditava."

Cidade de Deus" Paulo Lins


Edouard Boubat
[French Photographer, 1923-1999]

sexta-feira, abril 07, 2006

" A quadrilha de Zé Miúdo apareceu na rua por volta do meio-dia, hora de malandro acordar, conforme os ensinamentos de Zeca Compositor, compositor da escola local, que em seu samba de quadra dizia:

Enquanto existir otário no mundo,
malandro acorda ao meio-dia."

Cidade de Deus" Paulo Lins


Jean-François Bauret
[French Photographer, born 1932]

quinta-feira, abril 06, 2006

" Sempre ouviram falar que rock'n'roll, muito mais do que um gênero musical, era uma maneira de viver, e por isso mesmo se drogaram de fumo, cocaína, pico e chá durante as setenta e duas horas de rock'n' roll comendo solto dia e noite em Magé. Viram bichos enormes e oloridos, perderam a noção do tempo, não se alimentaram, andaram apenas de bermuda nas três madrugadas de frio intenso, plantaram bananeira, deram saltos mortais na cachoeira, dançaram em etapas de cinco a seis horas seguidas, alguns fizeram sexo até sangrar os orgãos genitais, batiam palmas no início das músicas e esqueciam-se de aplaudir ao final das apresentações, passaram horas e horas sem pronunciar nenhuma palavra, dançaram despidos, defecaram no rio onde bebiam água, tiveram a constante impressão de que eram as pessoas mais felizes do mundo, perderam barracas, roupas, lampiões a gás, panelas, enfim, perderam tudo o que levaram."

" Cidade de Deus" Paulo Lins


Peter Basch
[German/American Photographer, born 1921]

segunda-feira, abril 03, 2006

"- Então você tem cara de ser escolhedor. Gente assim não se dá bem na vida, não, sentiu?
- Pra ser responsa contigo, tenho que acabar aceitando tua idéia, morou? E é o seguinte: vou te mandar um letra invocada agora: acho que meu coração já te escolheu, morou? Quem escolhe é o otário do coração, e quando eu te vi meu rel´gio despertou pensando que era manhã de sol - paranisou Inferninho.
- Tu tá é de conversa fiada, rapá... Coração de malandro bate é na sola do pé e não desperta, não, fica sempre na moita!
- Pô, mina... Já viu falar em amor à primeira vista?
- Malandro não ama, malandro só sente desejo - Benice retrucou e riu.
- Assim não dá nem pra conversar...
- Malandro não conversa, malandro desenrola uma ideia!
- Pô, tudo que eu falo, você mete foice!
- Malandro não fala, malandro manda uma letra!
- Vou parar de gastar meu portugês contigo.
- Malandro não pára, malandro dá um tempo.
- Falar de amor com você é barra pesada.
- Que amor nada, rapá. Tu tá é de sete-um!
- Malandro vira otário quando ama - insistia Inferninho.
- Tu vai acabar me convencendo..."

" Cidade de Deus" Paulo Lins


Gian Paolo Barbieri
[Italian Photographer, born 1959]