domingo, dezembro 19, 2004

Do sentido da vida de Jonathan

Isto é um excerto de um livro-conto que li há tempos e cuja mensagem não consegui alcançar logo após o ter lido. O autor é conhecido pelo seu livro "O PERFUME", uma das obras da minha preferência. Tem um estilo muito metafórico, com mensagens subliminares sobre temas que envolvem a condiçaõ humana, as relações interpessoais e intrapessoais. É fascinante a visão que ele tem sobre o mundo e sobre cada homem, os laços que o envolvem em si e com os outros. Bem, decerto que este não é o excerto ideal para os mais susceptíveis, mas há que admitir que é deliciosa a maneira despreocupada como relata a situação e as palavras que traduzem o penasmento de Jonathan tal como é produzido...Temos acesso ao self real, não ao que ele tranporta para fora. Simplesmente soberbo!

"E Jonathan lembrava-se de há tinta anos atrás, quando o vira pela primeira vez, sentira despertar em si uma espécie de inveja furiosa, inveja da vida despreocupada que a criatura levava. Enquanto Jonathan começava o serviço todos os dias às nove horas em ponto, o vagabundo só aparecia, muitas vezes, às dez ou às onze; (...)E parecia nunca estar de mau humor, mesmo quando o boné (do peditório) ficava vazio; parecia nunca sofrer nem ter medo nem sequer se aborrecer. Apresentava sempre um ar de segurança e arrogância revoltantes, a provocatoriamente ostensiva aura da liberdade.
Mas uma vez, em meados dos anos setenta, no Outono, quando Jonathan se dirigia para a estação dos correios da Rue Dupin e quase tropeçou, à entrada, numa garrafa de vinho que se encontraVa sobre um pedaço de cartão(...) e quando involuntariamente se deteve a procurar com os olhos o vagabundo, não porque lhe sentisse a falta, como pessoa, mas porque da natureza morta com garrafa, saco e cartão desaparecera o elemnto central...eis que o descoBriu do outro lado da rua, acocorado entre dois carros estacionados, a fazer as suas necessidades. Agachara-se junto à valeta, com as calças abaixadas até aos jarretes, com as nádegas voltadas para Jonathan (...poupo-vos a descrição...) e os esguichos que embatiam no solo e ressaltavam sujavam peúgas, coxas, camisa, tudo(...)
A partir desse instante a inveja que Jonathan sentira pelo vagabundo desvaneceu-se por completo. (...) Exisitiria coisa mais abjecta do que mostrar a nádegas em público e ter de cagar na rua? Existiria coisa mais degradante que estas calças semi despidas, esta posição acocorada, esta nudez compulsiva e feia? (...)
Mas quando, numa grande cidade, uma pessoa já nem para cagar podia fechar atrás de si uma porta(...), quando uma pessoa se acha privada desta liberdade, a liberdade suprema de se isolar das outras pessoas para fazer as suas necessidades, então todas as demais liberdades perdiam o valor. Então a vida perdia o sentido. Então era melhor estar morto.
Quando Jonathan descobriu finalmente que a essência da liberdade humana consistia na posse de uma retrete comum e gozava desta liberdade essencial, foi invadido por um sentimento de profunda satisfação."

in A POMBA, de Patrick Suskind, Editorial Presença