homem de seus 40 decide ser sem abrigo
O aroma delico-ácido que exalava do cartão dava-lhe as asas com que sonhava.
Não sabia ao certo, mas quase que podia jurar que havia por ali passado um cão, mesmo há pouco. Numa questão de segundos havia urinado para cima da sua casota, o mesmo compto de instantes necessários para se colocar a questão de mudar de poiso. A cartolina estava gasta, havia a pertinência da aproximação da época da chuva, daí uma inquestionável metamorfose que melhor o protegesse.
Mas o quê, senão o cartão? Não havia latas de atum do tamanho de um homem; as casotas de cão eram pequenas de mais; as caixas dos frigoríficos eram de cartão. Mais uma vez teria de se expôr aos olhares dissimuladamente "discretos" dos transeuntes indignados com a sua condição. Melhor assim, quanto mais visível, mais apto para despertar sentimentos de compaixão, mais um pão e um copo de vinho diário. Apesar de odiar essa compaixão, vivia dela.
Sabia perfeitamente as origens desse tremor interno que induzia a quem passava o atirar de uma moeda: era a culpa. Não culpa de terem algo o suficiente para não passar fome, mas culpa por comer todos os dias o básico mais o acessório, de poderem comprar velas e Porto, de poderem encerar o chão da casa, e sobretudo, culpa por comprarem ração ao cão de raça, e aqueles emplastros esfarrapados como ele não terem nenhum pacote alimentício colorido dirigido exlusivamente para a sua classe, como os cães podiam ter. Essencialmete, culpa por terem chegado ao climax da evolução e terem um estilo de vida correspondente à supremacia sobre todos os outros seres, enquanto aquele quase irmão que era ele se cingia a um espaço exíguo que era a caixa beige de cartão e dependia das graças alheias para sobreviver, qual espécime insignificante e semelhante a um vegetal.
Sabia de tudo isso, mas ignorava essa certeza. Porque não se levantava, então; porque insistia em permanecer ocioso e mergulhando no que os outros chamam de auto-comiseração? Fora exactamente a revolta contra tudo o que se estabelece socialmete e o pensamento standard que o haviam marginalizado. A consciência da motivação de quem lhe estendia a mão ou a moeda não o fazia sentir-se mal consigo mesmo. O que pretendia era satisfeito, o porquê de quem o fazia era-lhe indiferente.
Repentinamente, um objecto veloz entra no seu castelo e atinge-lhe a cabeça. Ele, que estava sentado, cai para o lado. Ainda meio zonzo levanta-se, procurando em volta quem poderia ser o autor de tamanha moca.
Um rapazito franzino aproxima-se, e jovial e sem medo dirige-se a ele: "Olá! Queres vir jogar à bola?"
Não sabia ao certo, mas quase que podia jurar que havia por ali passado um cão, mesmo há pouco. Numa questão de segundos havia urinado para cima da sua casota, o mesmo compto de instantes necessários para se colocar a questão de mudar de poiso. A cartolina estava gasta, havia a pertinência da aproximação da época da chuva, daí uma inquestionável metamorfose que melhor o protegesse.
Mas o quê, senão o cartão? Não havia latas de atum do tamanho de um homem; as casotas de cão eram pequenas de mais; as caixas dos frigoríficos eram de cartão. Mais uma vez teria de se expôr aos olhares dissimuladamente "discretos" dos transeuntes indignados com a sua condição. Melhor assim, quanto mais visível, mais apto para despertar sentimentos de compaixão, mais um pão e um copo de vinho diário. Apesar de odiar essa compaixão, vivia dela.
Sabia perfeitamente as origens desse tremor interno que induzia a quem passava o atirar de uma moeda: era a culpa. Não culpa de terem algo o suficiente para não passar fome, mas culpa por comer todos os dias o básico mais o acessório, de poderem comprar velas e Porto, de poderem encerar o chão da casa, e sobretudo, culpa por comprarem ração ao cão de raça, e aqueles emplastros esfarrapados como ele não terem nenhum pacote alimentício colorido dirigido exlusivamente para a sua classe, como os cães podiam ter. Essencialmete, culpa por terem chegado ao climax da evolução e terem um estilo de vida correspondente à supremacia sobre todos os outros seres, enquanto aquele quase irmão que era ele se cingia a um espaço exíguo que era a caixa beige de cartão e dependia das graças alheias para sobreviver, qual espécime insignificante e semelhante a um vegetal.
Sabia de tudo isso, mas ignorava essa certeza. Porque não se levantava, então; porque insistia em permanecer ocioso e mergulhando no que os outros chamam de auto-comiseração? Fora exactamente a revolta contra tudo o que se estabelece socialmete e o pensamento standard que o haviam marginalizado. A consciência da motivação de quem lhe estendia a mão ou a moeda não o fazia sentir-se mal consigo mesmo. O que pretendia era satisfeito, o porquê de quem o fazia era-lhe indiferente.
Repentinamente, um objecto veloz entra no seu castelo e atinge-lhe a cabeça. Ele, que estava sentado, cai para o lado. Ainda meio zonzo levanta-se, procurando em volta quem poderia ser o autor de tamanha moca.
Um rapazito franzino aproxima-se, e jovial e sem medo dirige-se a ele: "Olá! Queres vir jogar à bola?"
1 Comments:
suponho que era para o pôr a jogar á baliza... :\/
não escrevas um livro não
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